Estas são histórias narradas no livro "A vida nos FF", a primeira às pag. 143, a segunda, às pag. 61, com as palavras, grafia, erros e estilo dos narradores naquela época. Os títulos não são da obra original, sendo usados apenas para ajuda à recuperação.


COMISSÁRIO NÃO PODE SER SUBMARINISTA!

Houve, certa epoca na Marinha em que os Comissarios para serem promovidos necessitavam de um minimo de 100 dias de mar. Era um requisito indispensavel ao acesso é sem ele ficariam marcando passo como acontecêo a diversos que, sabendo de cór toda a Lei de Fázenda e tendo a sua escrita certa e em dia, foram preteridos por colegas que tiveram a felicidade de contar esse tempo em viagem, dentro dos camarotes ou passeando pelos convézes dos encouraçados. Um dos que serviram em nossa Flotilha, como Chefe do Departamento de Fazenda, estava ameaçado de uma preterição e perdendo a esperança de uma viagem para o "Ceará", pensou em completar esses 100 dias nos proprios submarinos, aproveitando as suas saídas para exercícios. Consultou a diversos especialistas sobre a possibilidade de um desastre; inteirou-se dos meios de salvamento de que dispunham os navios; de como poderia respirar em caso de uma imersão mais prolongada; quais as utilidades das boias telefonicas e dos manilhôes; fêz, emfim, um curso rapido e expedito para poder julgar se deveria ou não se aventurar a tão grande façanha.

Mas entre uma preterição certa e um desastre duvidoso, optou por este, fazendo a sua estréa no "F-3". Na hora marcada para desatracação já estava ele a bordo de moral elevado pelas preces e promessas que fizera á sua padroeira. Foi-lhe determinado o 1° compartimento para posto em imersão e assim lá se foi para baixo dagua, antegosando a contagem de mais esse diasinho de mar, feito heroicamente depois de tres rapidas imersões do "F", emquanto que os seus colegas, para obterem-no, necessitavam permanecer fóra da barra por mais de 12 horas. As cousas, porem, não, lhe sorriram naquele dia aziágo. As mal fadadas caixas-vasias, que tantas peças nos pregaram, resolveram fazer mais uma das suas, alagando-se de forma a levar o submarino, para baixo, com forte inclinação de prôa. O nosso Comissario, não tendo nunca assistido a tais acrobacias, empalidecêo, arregalou os olhos, abraçou-se á escada de ferro para não ser arrastado; evoca fervorosamente as graças de seus santos protetores e manifesta a sua resolução inabalavel de não mais imergir. O "F-3" vem á superficie e volta ao Tender para reparar o mal. E lá se foi o dia de mar do Comissario, que preferio ser preterido a morrer do coração.


 

PESADO, E PESADO TOTAL!

Em 1925 comandávamos o "F-3", e em uma brumosa, manhã de Abril, largámos do Tender para a pratica dos oficiais alunos da Escola de Submarinos. Navio pejado de gente; cerca de 35 pessôas entregavam-nos o destino de suas preciosas vidas, e assim, com essa excessiva carga, singrámos para o fundo da baía, para a zona habitual de nossos exercícios. A bordo, alem de outros oficiais, iam o Comandante da Flotilha, Capitão de Mar e Guerra Manot Sarrat, e o Comandante do "Ceará, Capitão de Fragata Anatocles Ferreira. Escolhido o local, demos a vóz de "Preparar para imersão! "e aí começou o safa safa de gente para cá, gente para lá, todos a quererem, a uma, descer pelos exíguos agulheiros, com receio, talvêz de, por esquecimento, ficar no convéz depois de fechadas as auto-claves das gaiutas. Já em baixo o Comandante e o Mestre, foi iniciado o exercício, tendo cabido ao Capitão Tenente Aranha, aluno mais antigo do curso, a primasía da manobra, sendo-lhe entregue o navio para, pela primeira vêz, fazer uma imersão estatica.

"Fechado o 1°"

"Fechado o 6°"

"Fechada a torreta"

constituíram as advertencias de que o navio estava pronto para descer. O Aranha, calmo como sempre, e com aquela fleugma saxonica que lhe é tão peculiar, parecia mais o adextrado Comandante Weddingen do "U-9", do que um neofito na especialidade. A sua vóz retumbante, de "Abrir kingstons" ecoôu do 1° ao 9° compartimento (o 10° estava fechado), fazendo-se ouvir imediatamente o marulhar das aguas a entrar por baixo, nos duplos fundos, e o ar a sair por cima, pelos suspiros. Ninguem falava. Todos em seus lugares previamente designados pelo Comandante, assistiam á imersão confiantes na estréa promissôra. Lemes a meio, motores parados, começa o "F-3" a descêr e o manometro a marcar sucessivamente 1,2,3... 6,7 metros de profundidade, com regular inclinação de prôa.

"Agua ao 1°"

"Agua ao 4°"

"Agua ao 3°"

"Agua ao 2°"

foram os brados que se ouviram em seguida, das praças que guarneciam as espias dos duplos fundos, anunciando estarem atestados todos os tanques de lastro. O navio, como que impelido por uma força extranha, continua a descer, prôa para baixo.

O Aranha impavido, não perde a calma; gira o periscopio, ora para boreste ora para bombordo, sem perder de vista o ponteiro do manometro e o pendulo do inclinometro, mas percebe que as cousas não vão bem e que alguma anormalidade se passa a bordo, porquanto, de ordinario, o navio em bôas aguas não perde assim, tão rapidamente, a sua reserva de flutuabilidade.

Não era mais uma imersão normal; não era natural que o "F-3" com os motores parados pudesse atingir tão rapidamente a cóta de 8 metros. Percebida a extenção do que poderia ocorrer, mandámos todo mundo para ré para aliviar pêso á prôa e em seguida "'ar ao valvulão".

A passagem rapida para o 4° compartimento, dos que se achavam no 1° e 2°, e os 150 kilos de pressão de ar nos duplos fundos, não foram bastantes para deter o navio em sua vertiginosa carreira.

"Mais um grupo de ar" e nada! As bombas centrifugas não funcionariam a tempo e começava já uma certa inquietação á bordo, todos numa torcida de corpo para levar o navio acima.

Em um segundo, feito o exame da situação, chegámos á decisão rapida: "Motores eletricos adiante toda a força". "Lemes horizontais para cima". E com esta providencia extrema, uma das duas cousas sucederia: ou o navio viria á superfície ou se enterraria na lama.

Como Comandante, tivemos a intuição nítida, a percepção rapida de que das duas, seria mais viavel a primeira, pois conhecíamos as subtilêsas do navio e tínhamos fé' na nossa sorte. Essa intuição e confiança em nós mesmos, no entretanto, não podíamos induzir nos que, de olhares interrogativos, aguardavam inquietos, num segundo que mais parecia um seculo, a obediencia do navio em vir á tona ou a sua desobediencia em ir para o fundo. Para gáudio de todos, o efeito propulsivo das helices não se fez esperar e o garboso "F-3", numa ancia desesperadora contorce-se num esforço supremo de luta pela vida e volve a sua prôa para cima; o ponteiro do manometro de profundidade estanca em 16 metros, o pendulo inverte a sua inclinação e em seguida toma seguimento para cima, concorrendo para isto, alem da força propulsiva das hélices e a inclinação dada aos lemes horizontais, uma outra força de vital importancia : a torcida!

Aparentemente ninguem perdeu a calma; sentimos um desafogo naquelas fisionomias anteriormente preocupadas. Desfizemos as manobras, parámos os motores, abrimos o navio e fômos investigar a causa: agua nas caixas vasias. Mandámos sondar: 21 metros escassos! Exgotada a caixa vasia, preparavamo-nos para uma segunda imersão, mas o nosso Chefe preferiu passar para a lancha escólta, afim de tirar umas fotografias. A 2ª imersão, como era de esperar, fêz-se sem nenhum incidente; o "assetto" perfeito com leve reserva de flutuabilidade, acusando o pendulo as menores passagens dagua de um trim para outro, o que nos levou a concluir que na primeira imersão o navio estava mesmo pesado!

H . SOUSA

Cap. de Corveta


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