“É insano pensar que, fazendo sempre as mesmas coisas, iremos obter resultados diferentes”.
Albert Einstein
A interessante notícia da criação da Coordenadoria Geral do Programa de Desenvolvimento de Submarino com propulsão Nuclear, veiculada na RMB (4T/2008 pg 13) leva-nos a duas importantes reflexões.
A primeira delas, que diz respeito à justificativa, no ambiente naval, do valor desse tipo de arma, repetindo esclarecimentos encontrados em vários textos e discussões já publicados, teve validade antes da decisão de governo de incluir o submarino com propulsão nuclear no contexto do Plano Estratégico de Defesa. Para disseminação na sociedade, lembramo-nos de um artigo do Almirante Flores, que foi republicada na Internet, em site sobre submarinos.
Em princípio, parece ser fácil defender o valor da arma e sua conveniência para a defesa, mas o que dizer das dificuldades em obtê-la? A segunda reflexão diz respeito aos conhecimentos necessários para vencê-las, com vistas a concretizar o “sonho acalentado pela Marinha, desde os idos de 1979.
Considerando, como enfatizado na notícia, que:
“o atendimento à necessidade estratégica da obtenção de um submarino de propulsão nuclear passa, obrigatoriamente, pela conquista de competências tecnológicas que assegurem a capacidade tanto do projeto quanto da construção de submarinos convencionais... “
mais adiante:
“se todos esses episódios apontam para um ótimo prognóstico, resta porém, superar a meta do domínio da capacidade de tecnologia de projeto, requisito não menos essencial que todos os demais.”
e finalmente:
“Para abreviar o longo processo que envolve projetar e construir convencionais para, sucessivamente, elaborar o projeto e construir um submarino nuclear, que carrega requisitos e tecnologias muito superiores, a Marinha do Brasil desenvolve tratativas internacionais visando a obter parcerias que atendam aos nossos propósitos e exigências.”
a primeira reflexão refere-se à construção de submarinos convencionais, e nos leva a conjecturar sobre o porquê de ser imediatamente negada, na segunda citação, a capacidade de tecnologia de projeto. Faltou-nos capacidade intelectual? Faltou-nos vontade política? Faltou-nos vocação? Não acreditamos.
A desculpa mais insistente parece que tem sido a da falta de recursos (financeiros?). Mas, a bem da verdade, já lemos texto afirmando que somos a única nação no hemisfério sul com capacidade para construir submarinos. Por que então abandonamos a meta determinada pelo Ministro da Marinha de desenvolvermos capacidade de projeto?
A resposta a esse tipo de reflexão é extensa, e não caberia num pequeno ensaio como este. Podemos dizer, apenas, que passa pelo não fazer, dada a abordagem inadequada da Logística, principalmente no que diz respeito ao preparo do Poder Naval (A instituição naval não tem, sequer, um Sistema Logístico – (não confundir com Sistema de Apoio Logístico); passa igualmente pela necessidade de aprimoramento do Sistema de Ensino (aqui considerado o conjunto do Sistema de Ensino Naval e o ensino da EGN); da mesma forma, passa pelo vício de carreira que leva à constante confusão reinante entre logística e intendência; e passa, finalmente, pela “desconexão” entre os chefes-executivos que irão comandar os destinos da instituição, e os demais gerentes técnicos .
Desse modo, o texto seguinte se refere mais à segunda reflexão, quando precisamos resumir fundamentos para abordá-la apropriadamente.
Parece-nos básico o fato de que passou a Marinha um período de extrema carência, sem que tenha aproveitado a ocasião para aperfeiçoar os conhecimentos dos oficiais, na medida das informações disponíveis em várias instituições e veículos de disseminação, mundialmente.
Estamos nos referindo aos conhecimentos relativos ao processo de obtenção de sistemas navais de defesa, no âmbito da Logística de Obtenção, a seguir abordados.
O processo de obtenção de sistemas ou equipamentos navais de defesa (ou quaisquer outros materiais de emprego militar que apresentem relativa complexidade tecnológica e elevados custos de obtenção) é, realmente , uma das mais complicadas tarefas que incumbe ao provedor naval .
Desde o levantamento de uma necessidade militar naval até o momento em que é selecionado um sistema ou equipamento para satisfazê-la, a ser construído, manufaturado ou fabricado, muitas são as atividades que requerem decisões - por que não dizer, que precisam ser felizes, para não resultar em produtos insatisfatórios.
Nos primeiros passos do processo de obtenção, o desenvolvimento do produto que se deseja obter irá resultar do desenvolvimento do seu projeto, desprovido de suas partes gerenciais e materiais. É o que na língua inglesa se chama design Trata-se, basicamente, de definir funções e sobre elas trabalhar , no sentido de que venham a qualificar um sistema ou equipamento.
Exemplificando o que sejam funções, imaginemos a necessidade de destruir carros de combate inimigos, num ambiente de combate terrestre. Se essa necessidade puder ser resolvida pelas funções de mover, localizar, atirar e comunicar-se, possivelmente ela será sintetizada como um veículo terrestre, um tanque de guerra, talvez. É claro que há várias alternativas candidatas, mas somente uma, da mesma forma exeqüível, será a selecionada.
Logo no início do processo, pois, ainda não há definição do que se vai produzir ou construir, mas muitas atividades devem ser desenvolvidas sobre a concepção que se está formulando. Já devemos estabelecer características para nortear a obtenção, tais como confiabilidade , manutenibilidade e disponibilidade, de modo a garantir desempenho com qualidade do produto a ser obtido.
Essas primeiras características irão ser quantificadas como parâmetros básicos de obtenção, e por não se referirem às funções necessárias para cumprir a missão, são referidas como requisitos não funcionais.
Tais requisitos tem natureza genérica , aplicando-se a quaisquer sistemas complexos, inclusive os de defesa. Enfatizamos o fato deles serem referidos como não funcionais, tendo em vista sua natureza genérica , independente das funções que o sistema ou equipamento terá que realizar. São, em outras palavras, características do sistema, e não características daquilo que o sistema deve fazer (sendo referidas na literatura corrente como as -ilities ou Qualities of Service QoS ).
Essa é uma das razões para a existência de programa formal de confiabilidade, disponibilidade e manutebilidade (Programa de CDM) em qualquer instituição que obtenha sistemas complexos.
Projeta-se, nas fases de design , com vistas à confiabilidade e à manutenibilidade , disso decorrendo a disponibilidade do produto a ser obtido. Outros focos do design nessas fases, são: o design para fatores humanos e segurança individual ; o design para producibilidade; o design para manutenção e apoio logístico; o design para custos; o design para a retirada de serviço (eliminação) do produto ; o design para a exeqüibilidade econômica ; o design para o meio ambiente, e muitos outros mais.
É nos primeiros instantes das fases de design que consideramos o conceito de manutenção, quando então se tomam várias decisões para execução do apoio logístico (segundo o processo do Apoio Logístico Integrado). Concomitantemente, são registrados muitos e muitos dados formando bases que serão úteis no futuro para compor bancos de dados de apoio logístico, segundo o princípio de registrar uma vez e utilizar muitas; serão criadas as condições para o apoio continuado, auxiliado por computador, do apoio logístico (CALS de continuous acquisition logistics support ); serão estabelecidas as base para a criação do ambiente de compartilhamento de dados , visando troca de informações tanto à montante como à juzante, e entre essas posições, na Cadeia de Suprimentos formada.
Na fase
conceptual, considerações sobre funções para resolver
determinada necessidade são muito importantes. Delas derivam os grupos funcionais ,
que irão resultar na Estrutura Analítica de Decomposição do
sistema ou equipamento. No serviço naval, lembremo-nos das publicações
americanas, embora do passado, o Index (listagem e
descrição dos grupos funcionais) e dos SWBS ( ship work breakdown structures ) (atualmente referidos à estrutura do
Naval Sea Systems Command,
NAVSEA, desde 1974).
A Estrutura Analítica de Decomposição do produto é ferramenta imprescindível para a elaboração de contratos.
Dentro de uma estratégia de obtenção, segundo uns poucos tipos de obtenção conhecidos e praticados, essas fases do design são mais características quando se trata de uma obtenção por desenvolvimento (as outras sendo, normalmente, por alteração de um sistema já existente , pela compra de um produto já desenvolvido para outras agências governamentais ( military off the shelf ou mots, ou ndi ) , ou por um produto obtido no mercado (comercial off the shelf , ou cots) ).
O design a que viemos nos referindo (design process ), típico do processo de obtenção por desenvolvimento, se compõe das fases conceptual , preliminar , detalhada e de desenvolvimento . Tal processo chega a um resultado final na forma de especificações de construção, conhecidas como especificações do tipo A, na Engenharia de Sistemas.
A concretização dos sistemas navais de defesa da MB, segundo esses tipos de obtenção, tem se concentrado com maior freqüência, na construção (semelhante a um mots), mais tem ocorrido, também, na forma de obtenção de oportunidade (semelhante a um cots) e, em raras oportunidades, na forma de alteração de sistemas já existentes.
As fases do design são os estágios em que um conceito é transformado, pela Síntese, num hardware, ou produto , que uma vez testado e avaliado, demonstra o conceito e valida o design e permite prosseguir para as fases de materialização (construção, fabricação, e outras).
Essas fases do processo de obtenção são muito engenhosas, dependem de muita criatividade, são abertas no início, mas convergentes na medida em que caminham, e seu sucesso só será alcançado se for seguida uma metodologia, testada exaustivamente e aprovada, conhecida como Engenharia de Sistemas. Simplificadamente, é como a culinária , Não importa quantos bolos são feitos por ano, um ou mil, o que importa é que, para qualquer confecção, deve-se seguir a metodologia proposta.
Aliás , só pelo bom senso já se pode perceber que quanto menor a quantidade, mais importante é seguir a receita , pois se perde em prática e atualizações. Logo, quem confecciona uma unidade esporadicamente, tem a maior responsabilidade em seguir procedimentos aprovados .
Pelo exposto, tem razão o articulista em dizer que se tem muito a aprender. E temos muito capital intelectual, na Marinha e fora dela, para realizá-lo.
Chegamos, nesse ponto, à segunda reflexão, qual seja - Já poderiam ter sido tomadas medidas para começar a aprofundar os conhecimentos acima expostos, úteis para quaisquer estratégias ou tipos de obtenção, mas só agora, vamos começar a fazê-lo, em função da contratação de assessoria estrangeira. Não teria sido perdido precioso tempo?
Há, de fato, muito trabalho a ser feito, mas a confiança na Marinha ainda é muito grande. Porém, lembramos que só aprender não basta. É preciso fazer!
VAlte Capetti - 2009
NOTAS:
RMB 2Tri/1998 e em http://submarinosdobr.com.br/SubPropNuc.htm .
Consulte “A Importância do Processo de Obtenção de Sistemas Navais de Defesa na Marinha do Brasil” em RMB2Tri/2007 pg 124)
A “desconexão” como definida por Wang. Embora tratando da relação entre objetivos de administradores executivos e técnicos, em especial da administração e da Tecnologia da Informação (TI) , entendemos que a concepção de Wang pode ser aplicada à MB da atualidade (ressalvada a disciplina TI, quando em seu lugar consideramos a Logística) – ‘Desconexão (definição original): conflito, penetrante, não natural, que desalinha os objetivos de administradores executivos e técnicos, e que prejudica ou impede empresas de obterem um eficaz retorno sobre os custos do investimento em tecnologia da informação. (Techno Vision II – um guia para profissionais e executivos dominarem a tecnologia e a Internet – Wang, Charles B. São Paulo.Makron Books, 1998)”. Sobre tema correlato, consulte também correspondência sobre o artigo Lições da Gestão de Um Almirante – Rickover, na seção Carta dos Leitores in RMB 4Tri/2008, pág 271). A crônica “A buchada de bode” em http://submarinosdobr.com.br/Exemplares/Exemplar28.htm versa sobre a mesma idéia
Design é sinônimo geral de desenho industrial (curso de bacharelato em várias universidades, inclusive PUC)– “atividade especializada de caráter técnico e artístico que se ocupa da concepção da forma de objetos tridimensionais (desenho-de-produto) e bidimensionais ((programação visual) a partir de critérios de funcionalidade e estéticos , com vistas á produção industrial ou em série.” Portanto , segundo Aurélio, “desenho-de-produto – é parte do desenho industrial que se ocupa da concepção de sistemas e produtos tridimensionais (postos de trabalho, mobiliário, utensílios, máquinas, ferramentas, , exposições, etc.); é design ” (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa).
Quando se considera em conjunto vários desses requisitos, além da confiabilidade e da manutebilidade, se está tratando tratando da dependabilidade (do inglês dependability).
Consulte artigos em http://submarinosdobr.com.br/Exemplares/Exemplar23.htm e /Exemplar24.htm