Comentário de Paulo Nathanael Pereira de Souza, Doutor em Educação (JB sábado 8 de jul 2008) sobre o artigo MUITA INICIATIVA E POUCA ACABATIVA, do professor Luiz Marins.
"DA PROBLEMÁTICA À SOLUCIONÁTICA
Num desses atrasos de vôos de tirar a paciência, a que se convencionou batizar de "crise aérea" (na verdade uma crise de falta de competência, misturada com essa outra falta, a de vergonha, hoje tão disseminada neste país), abri uma revista para ajudar a passar o tempo, e vi um artigo de meu amigo Luiz Marins, intitulado Muita iniciativa e pouca acabativa. Li-o com o prazer que me causam os textos desse sorocabano ilustre, um dos poucos exemplos de competência ainda atuantes entre nós.
Em rápidas pinceladas põe ele o dedo na ferida, ao formular duas perguntas e respondê-las com clareza em poucas palavras. Indaga: "Por que somos tão criativos, inovadores, cheios de idéias e tão ruins em execução? Porque a rotina de cuidar dos detalhes, fazer a manutenção do que já existe, dar continuidade às cousas começadas nos deixa tão entediados?” E a explicação vem em seguida: “Achamos que executar é uma cousa subalterna, para pessoas sem muita inteligência, puros obreiros. O bonito é criar, inovar, propopr, discutir. Depois, nada acontece".
Muitas são as razões que embasam esse modo de ver as cousas, mas a mais profunda e resistente, talvez seja a que herdamos do nosso estilo discriminatório de convívio social, criado e forta e fortalecido a partir da escravidão. O escravo foi o grande divisor de águas entre o criar e o fazer. Tudo o que nasce do esforço intelectual tem nobreza, tudo o que diz respeito ao fazer manual pertence a uma esfera que lembra a servidão dos negros da senzala. A própria educação brasileira se estruturou nesse tipo de visão: o bacharelado acadêmico para meus fi]hos, o ensino profissional para os filhos dos outros. Aliás houve até uma Constituição, a de 1937, que dizia textualmente isso, ao reservar o ensino técnico apenas para os alunos mais pobres.
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Não estranha, pois, que os planos enobreçam os seus conceptores, e as implantações nunca se completem adequadamente, porque falta a competência micro ligada ao fazer acontecer. No Brasil se acredita muito em reformas mirabolantes - melhor ainda se inspiradas no que fazem os países do primeiro mundo - contendo soluções fantásticas, mas que por aqui jamais saem do papel. Na educação, tem sido assim e assim vai ser por muito tempo. Mas não apenas aí, porque o fenômeno se repete por toda parte: é ver o que ocorre, por exemplo, com as emendas de parlamentares ao elaborar-se o projeto de orçamento. Há verbas propondo a construção de tudo (hospitais, estradas, penitenciárias, escolas, túneis e o e que mais seja), verbas colossais, mas que nunca se acompanham de valores outros, complementares, destinados ao funcionamento e à manutenção dessas obras faraônicas. Conseqüência: imensos esqueletos a assombrarem a paisagem, com sua presença fantasmagórica, ou então, prédios acabados, que nunca entram em operação. E o Brasil do desperdício, da irresponsabilidade, da impunidade, mas também do excesso de projetos e da escassez de recursos, sejam humanos para certas funções, sejam materiais em geral, que façam funcionar as obras projetadas. Quando secretário de Educação, cansei de ver escolas inauguradas sem contar com e equipamentos básicos (carteiras, armários) ou pessoal mínimo (professores e, principalmente, guardas e faxineiros). Tudo por falta de verbas específicas. Quero esclarecer que a responsável por isso não era a secretaria-fim e sim, uma repartição apenas destinada às construções escolares (Fece no Estado ou Edif no município).
Agora, ouço dizer que se estão criando dezenas de escolas técnicas federais. Pois bem, não há dinheiro para a manutenção adequada dos existentes (muitas têm água e luz cortadas por falta de verba para custear o consumo). De que vão viver as novas? Mas isso não é problema, que manutenção é palavra de muito riscada do glossário da adrninistração pública, no Brasil. Se vierem a funcionar precariamente, a culpa recairá sempre sobre o governo seguinte...
Daí, Marins, que você está coberto de razão nesse seu artigo sobre iniciativas e acabativas. Aliás, sua leitura fez-rne lembrar das conversas que mantinha, quando membro do Conselho Federal de Educação, com o ministro Jarbas Passarinho. Sua Excelência, com muita autoridade, até porque integrava o governo da época, vivia a cobrar de sua equipe: "A problemática está otimamente equacionada, mas onde esconderam a solucionática?"
Como se vê os tempos mudam, mas as relações entre o conceber e o fazer, nem tanto! |