UM PARTICULAR ASPECTO NA EVOLUÇÃO DA LOGÍSTICA QUE
MERECE ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DIFERENCIADAS É O ENSINO NA MB.
A
porta de entrada natural de novos conhecimentos no ambiente naval é o
ensino, considerando que deva existir um Sistema de Ensino
(doravante assim referido) composto
do Sistema de Ensino Naval (SEN) e das Escolas de Altos Estudos,
composto tanto os
cursos do Sistema de Ensino Naval, como aqueles ministrados, no
mínimo, pela Escola de Guerra Naval, (levando em conta que há,também, outras mecanismos que contribuem para
os Altos Estudos, como
universidades, cursos no exterior etc).
Contudo, em qualquer desses componentes não
se observa a existência de cursos voltados para o preparo de
oficiais que lhes proporcione capacitação de "logístico" (além de suas
habilitações atuais), de modo a poderem contribuir, mais
intensamente, para as decisões relativas ao preparo do Poder
Naval.
..........................
Esses aspectos,
que já foram
mencionados no número anterior sobre a Evolução do Pensamento
Logístico na MB, sugerem uma razão, talvez a principal, para a
indiferença que se observa na compreensão naval
de que a Logística tem que sofrer transformações, a fim de
atender a Estratégia Nacional de Defesa, em última instância.
SEM ADEQUADA ESTRUTURA DE ORGANIZAÇÃO,
SEM DOUTRINA E SEM CAPACITAÇÃO ...
Se em ocasiões
anteriores
mencionamos descompassos conceituais na doutrina logística,
acrescentamos agora alguns
comentários referentes à própria organização naval e ao preparo do pessoal para o exercício da Logística,
neste último caso enfatizando aspectos da carreira que contribuem para deteriorar a capacidade de compreensão conceitual da
Logística. Enumeramos os seguintes (sem serem exaustivos):
1. A Logística é relegada a um plano secundário na própria estrutura
organizacional da Marinha do Brasil, principalmente no que diz
respeito ao preparo do Poder Naval, pois não existe nenhuma
sub-divisão (exemplo, uma Secretaria ou um Departamento
de Logística) da estrutura para coordenar o trato
de atividades principais dos diversos sub-sistemas logísticos, entre os
quais se encontra o Sistema de
Apoio Logístico.
2. O Sistema de
Apoio, como definido pela própria Marinha (como conjunto de organizações e meios de
apoio logístico que, funcionando desde o tempo de paz, deverá estar em
condições de atender as necessidades da MB em caso de guerra ou situação
de emergência),
carece
de gestão física. O EMA se diz seu órgão de direção geral, aliás como de
tudo o mais na Marinha (Nota 1), mas não tem atuação gerencial,
exercendo, isto sim, uma discutível supervisão geral.
3. No patamar dos
mais elevados postos da carreira, até Capitão-de-Mar-e-Guerra (CMG), a
preferência dos cursos na atualidade, de altos estudos em sua maioria, põe mais ênfase nos aspectos da
Política e da Estratégia navais, sendo praticamente abandonados os aspectos
técnicos, principalmente os que dizem respeito à Logística.
Até que ponto
esses comentários tem a ver com o ensino? O item 3 é auto-explicativo.
Quanto aos item 2, uma das consequências na organização atual, do EMA não gerenciar o Sistema de Apoio
logístico (logo, ninguém gerencia), é a dificuldade, senão
impossibilidade, da coordenação dos esforços de preparação do
pessoal entre o SEN e os Altos Estudos
militares.
Por seu turno, nem mesmo a organização militar mais ligada às
atividades logísticas (pelo menos algumas dessas atividades), que é a Secretaria Geral de
Marinha, exerce qualquer supervisão sobre o SEN. E
não temos a menor dúvida de que o ensino é uma atividade logística.
Partindo do
princípio que o controle da logística deve ser centralizado (enquanto
que sua execução deve ser descentralizada), a falta na organização
naval de uma entidade que exerça esse papel de centralização inibe a
formação de uma doutrina logística, a qual depende da capacitação
do pessoal, como veremos logo adiante.
As consequências
da falta de capacitação em Logística são, pois, inevitáveis -
além de falhas na estruturação da força (o item 1 acima), esta ressente-se da falta de doutrina logística nas "áreas"(que
deveriam ser sistemas)
de pessoal e material. Quanto a esta última, por exemplo,
sentimos a necessidade de existir um nível
de ensino universitário no âmbito dos Altos Estudos militares para tratar de aspectos técnicos
na obtenção do material etc.
OPORTUNIDADE E DIFICULDADES PARA APRIMORAMENTO DO
QUADRO VIGENTE:
Voltando aos
aspectos da formação de pessoal, pode-se
inferir que há campo para aperfeiçoamentos no
ensino da Logística na MB, desde que a cultura assim o permita. Porém, há indícios de
entraves à evolução cultural, pelo menos na área de abordagem desse
texto.
Para eliminar tais entraves é preciso que seja identificado o papel que
deve caber ao Sistema de Ensino (o que não é feito aqui),
abrangendo o SEN e o ensino de Altos
Estudos, pois é grande a possibilidade de que a principal falha na
compreensão e aplicação da Logística seja
decorrente da inexistência desse sistema.
CONSIDERAÇÕES
SOBRE O SISTEMA EDUCACIONAL SER O PORTÃO
DE ENTRADA DE NOVAS IDÉIAS, OU ATUALIZAÇÕES, NA MB:
Embora muitos
conhecimentos já sejam disseminados no âmbito educacional da
MB, há outros, mais atuais, decorrentes de novos conceitos ou
inovações tecnológicas (e às vezes não tão novos assim) que, advindos do
meio exterior, devem chegar ao ambiente naval e serem disseminados por
um adequado processo.
Igualmente
que o material, cujo portão de entrada são as Diretorias Técnicas,
também os novos conhecimentos devem ser regidos pelo mesmo princípio. Esta é uma
das razões porque foram criadas na MB, as Organizações Militares de
Orientação Técnica (OMOT), associadas às Diretorias Técnicas e outras
organizações, que orientam a introdução de conhecimentos no SEN
(mas não no Sistema de Ensino linhas acima definido).
Evidenciam-se,
então, duas falhas: a primeira pela própria limitação de cada OMOT
segundo a sua própria área de atuação; a segunda, por isto servir, apenas, ao SEN.
É fato que
mesmo sem existir o tal Sistema de Ensino, é no SEN, principalmente, se não exclusivamente,
que é disseminada a maioria dos aspectos técnicos, por meio de diferentes cursos.
Porém, de uma maneira geral, isto acontece somente para os mais baixos postos da
carreira, e quase sempre com vistas à operação dos meios navais. Tais
cursos profissionalizantes têm a natureza de especializações e
aperfeiçoamentos.
A Logística,
nesses cursos, tem abordagem de consumo, e diz respeito inteiramente aos
aspectos operacionais.
Recordando o item
3 do primeiro parágrafo, no nível dos
mais elevados postos da carreira, até Capitão-de-Mar-e-Guerra (CMG), a
preferência dos cursos converge mais para aspectos da Política e
Estratégia navais, sendo praticamente abandonados os aspectos técnicos
e, consequentemente, afastando a cultura dos oficiais, da Logística.
Semelhante ao que
ocorre no SEN, a Logística nos
cursos de Altos Estudos repete a abordagem segundo o planejamento
operacional, em face do teatro de operações.
MAIS
CONSIDERAÇÕES QUE PODEM, AINDA, SER ACRESCENTADAS AO QUADRO, SE LEVARMOS
EM CONTA:
(a) a falta de um mecanismo de
disseminação de conhecimentos segundo uma metodologia
científica, que considere os aspectos técnicos que envolvem a obtenção dos sistemas e
equipamentos, principalmente na
educação dos escolhidos para os mais altos escalões de mando
(particularmente do Corpo da Armada);
e
(b)
que no almirantado não existem veículos de propagação de conhecimentos
ou atualizações de natureza técnica, e nesses últimos postos não se
identifica a participação de altas patentes em quaisquer cursos de
atualização.
(Nota 2)
A VISÃO LIMITADA ...
Desse modo, no
nível do almirantado a visão dos aspectos técnicos que predomina, na
análise dos mais diversos problemas navais, é uma visão administrativa
absorvida pelos oficiais até o posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra,
praticamente fruto somente da operação de equipamentos e sistemas de
defesa. Em essência, sem ter sido desenvolvida aptidão de gerenciar a
tecnologia eficazmente.
Houve um Ministro
que, em determinado período (Nota 3),
buscou alterar esse quadro, proporcionando conhecimentos por meios
de cursos que iriam evitar a falta de aptidão para gerenciar a
tecnologia eficazmente, principalmente para os oficiais do Corpo
da Armada, dos quais muitos chegariam aos altos postos que decidem o
futuro da Marinha. Mas, tão logo substituído na gestão da pasta,
rapidamente a situação reverteu para o quadro anterior, e continuou-se a
ter administradores dos destinos da Marinha sem cultura técnica e,
portanto, sem base para agregar sensibilidade técnica face à inovação
tecnológica.
RAZÕES
DAS DIFICULDADES PARA A ENTRADA DE NOVOS CONHECIMENTOS NA MARINHA
Observa-se, no
inventário intelectual da Marinha Brasileira, principalmente nos mais altos postos do
Corpo da Armada, uma espécie de “desconexão”
(Nota 4), que desalinha
os objetivos do administrativo e do
técnico. |
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Um observador
externo poderia vincular esse fato a uma certa resistência interna na MB
em absorver conhecimentos advindos do meio ambiente.
Procuramos buscar
interpretação que ratifique
a observação de que há dificuldade do ambiente
naval (principalmente nos altos postos) de absorver colaborações visando a melhoria contínua
dos processos nele praticados.
Em primeiro
lugar, é cabível a constatação de que existem de fato mecanismos
institucionais perversos que contribuem para criar tais dificuldades,
tais como, por exemplo, a alta rotatividade nas diferentes funções, bem
como o fato de
que depois de certos postos da carreira não mais existe a
obrigatoriedade de cursos de atualização de conhecimentos para os
oficiais.
Em segundo lugar, acreditamos que
esses perversos mecanismos possam ser minimizados se houver
atualização dos oficiais com base em conhecimentos científicos.
Fazemos aqui a ressalva que esses
mecanismos, citados dois apenas como exemplos, são aqui identificados segundo visão muito pessoal, sujeita
pois, às mais variadas críticas ... que podem até contribuir para
identificar outros.
CMG DE HOJE...
OS ALMIRANTES DE AMANHÃ .... OS MESMOS CMG DE
ONTEM!
Essa visão reflete
o fato do oficialato se tratar de um ambiente profissional onde a
crítica, por mais construtiva que seja, raramente é bem recebida em seus
primeiros momentos, levando um período razoavelmente longo para ser
compreendida e absorvida.
E isso ocorre
porquê? Talvez porque tal ambiente seja populado por profissionais que vivem
as mesmas circunstâncias administrativas e cujo conhecimento comum é
adquirido diuturnamente pela prática de atividades gerenciais de mesma
natureza (por sinal, comuns também em várias outras atividades
profissionais), do início ao fim da carreira e, eventualmente, de atividades
de natureza profissional específicas, em alguns poucos momentos da carreira.
Com conhecimentos
e aptidões niveladas por um sistema educacional comum, dificilmente
um daqueles profissionais (principalmente se estiver em posição de mando) aceita
o que parece ser uma superioridade de conhecimentos,
e tende a rejeitar idéias novas.
Ainda mais, não
existem mecanismos eficientes que aportem conhecimentos científicos oriundos
de visão exógena a esse ambiente educacional (veja a limitação das OMOTs,
citada parágrafos atrás, por exemplo), muito embora eles estejam disponíveis em
várias fontes em face da velocidade com que circula a informação. Em outras
palavras, não existem mecanismos eficientes de aporte do conhecimento
científico externo que possam melhorar o desempenho individual, na medida em
que se galga os postos mais elevados da carreira (os indivíduos freqüentam
sempre os mesmos cursos internos, onde predomina o conhecimento vulgar).
O CICLO VICIOSO DO CONHECIMENTO COMUM.
Configura-se,
ao final, um ciclo vicioso, em que oficiais superiores, agora estagiários ou alunos de
cursos de Altos Estudos, ao
se graduarem, irão exercer funções no órgão de assessoramento geral
da instituição naval.
Neste, produzirão pareceres que se exteriorizam por seus chefes imediatos, e que servirão de
orientação aos indivíduos que estão na execução das demais atividades da
instituição naval. Fechando o ciclo, estes indivíduos irão freqüentar os mesmos cursos de
Altos Estudos, e
eventualmente irão ocupar os mesmos cargos no órgão de assessoramento geral, tudo
dentro de um mesmo nível e padrão cultural que caracterizam a cultura
institucional vigente.
Caracteriza-se, ainda, o fato de que
no ambiente militar naval prepondera o conhecimento comum,
o qual comporta algumas características indesejáveis, como ensina Lakatos(Nota
5): são conhecimentos valorativos, reflexivos, assistemáticos, falíveis e
inexatos.
Para ocorrer o aprimoramento cultural, faz
falta a prática de considerar diversos assuntos navais pela metodologia da
abordagem científica do conhecimento.
Duas são as constatações imediatas em
face desse ciclo vicioso, e da preponderância do conhecimento vulgar, ou
comum:
(1) o aporte de novos conhecimentos só pode acontecer
via Educação – Ensino. Isto é, o Ensino na MB é o portal de entrada dos
conhecimentos, como de fato o Ensino o é em qualquer outra área de trabalho;
e (2) se não for praticada uma metodologia científica para trato dos
conhecimentos, novos conceitos e inovações tecnológicas não serão
incorporados na cultura institucional vigente.
Agravante é que quando esses profissionais chegam aos postos de direção
ou mando do almirantado, por força das circunstâncias ingressam na categoria
de onicientes, embora não mais recebem
novas informações, nem internas nem externas (sobre isto recomendamos a leitura do artigo do professor
Luiz Marins, nesse
mesmo exemplar).
De certa forma, no
ambiente militar, o alto mando permanece com a cultura institucional
adquirida até o último escalão de promoções que não sejam as por escolha
(o que só evita pelo esforço individual de ler, de saber ouvir e então, fazer).
Do ingresso no generalato, por exemplo, não mais têm tempo de se submeter aos estágios de atualização e
aperfeiçoamento, bem verdade que, as vezes até patrocinam, mas não
freqüentam.
Se esse alto
mando, presidência ou direção, for na instituição privada, esses executivos
correm o risco de serem alijados da equipe por incapacidade, pois não geram
os resultados desejados (normalmente, lucro). É claro que se não houver essa penalização, eles não terão a mínima preocupação em se atualizar.
COMO ALTERAR ESSE CICLO VICIOSO, NÃO SEM ALGUNS
OBSTÁCULOS.
Acreditamos que
só poderá ocorrer
mudança de paradigma nesse ciclo vicioso se ocorrer um rompimento no âmbito
das organizações educacionais, normalmente e em particular naquelas de Altos
Estudos. E esse rompimento será, normalmente, fruto de muito esforço e argumentação
individual (ou de um grupo de estudos) que convença a um executivo, em
eventual posto de chefia, logo com capacidade de decisão, a decidir pelas mudanças.
Importante
salientar que tais cursos de Altos Estudos são, normalmente, requisitos para
avançar aos escalões de comando ou direção, o que impõe aos seus estagiários ou
alunos o risco de condicionamento pela preocupação do sucesso, alcançado as
vezes pela valorização mais da forma que dos conteúdos.
Talvez surjam idéias novas, de
alguns mais ousados, mas as que surgirem poderão estar sujeitas ao lápis
“bi-color ” dos avaliadores, que normalmente são os mesmos indivíduos
oriundos do círculo vicioso. De um modo
geral os trabalhos finais de cursos dessa natureza serão “aceitáveis”, mas
irão engrossar as prateleiras das bibliotecas especializadas, onde estarão
fadados ao empoeiramento até a próxima limpeza geral da biblioteca, em busca
de mais espaço.
Os indivíduos assim formados irão,
mais tarde, ser promovidos aos postos de presidência, gerência, direção, que
título tomarem, tornando-se os onicientes linhas atrás
mencionados.
Esse é um processo
que se observa em muitas instituições, o que não o livra de ser indesejável.
A única possibilidade de
rompimento advém da vontade política de mudar, e se dá através das organizações de ensino, pela introdução e
disseminação de novos conceitos e conhecimentos, normalmente de origem
externa e preferencialmente segundo metodologia científica.
No âmbito do
Ministério da Defesa essas organizações são as escolas de Altos Estudos. Na
MB, é a Escola de Guerra Naval, onde se estuda o que é o
Poder Naval, sua aplicação e seus elementos (exceto no que diz respeito ao seu preparo,
abordado apenas superficialmente).
Toda essa
dialética tem a ver com a produção dos sistemas de defesa navais, em
especial dos navios de guerra, como iremos ver em outra oportunidade.
***
Nota 1.EMA
400 - Manual de Logística da MB.
Nota 2.
Embora isso possa ser uma tendência comum (mas
não normal, se atentarmos para o artigo do professor Marins (artigo
reproduzido neste mesmo exemplar)),
ela tem que ser combatida.
Nota 3.
Ministro Mauro Cesar Rodrigues Pereira
Nota 4."desconexão - conflito
penetrante, não natural, que desalinha os objetivos de administradores
executivos e técnicos, e que prejudica ou impede as empresas de obterem um
eficaz retorno sobre os custos de investimento em tecnologia da informação."
WANG, Charles B. Techno Vision II. Tradução de Maria Nolf e Miguel Cabrera.
São Paulo. Makron Books. 1998. Embora o termo tenha sido usado com
referência à tecnologia da informação, a mesma idéia pode se aplicar à
tecnologia que envolve a obtenção de sistemas militares de defesa.
Nota 5.
Lakatos, Eva Maria, Marconi,
Maria de Andrade. Fundamentos da Metodologia Científica. Atlas 3ed.
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