Embora a
visão de alguns chefes navais do passado fosse correta, buscando
atribuir as diferentes abordagens da Logística tanto ao Estado Maior da
Armada, quanto à Secretaria Geral de Marinha (Guillobel in Memorias), a
evolução da Logística não tomou o melhor rumo, vis a vis suas
diferentes atividades.
Antes da II
Grande Guerra - O Programa
Naval do Ministro Julio de Noronha foi muito bem estudado e abrangente;
não cuidou só do do material flutuante, mas também das instalações de
apoio logístico, da transferência da principal base da Marinha do Rio de
Janeiro para outro local, e da instalação de uma usina siderúrgica junto
ao novo Arsenal a ser construído na área fronteira à Ilha Grande.
Embora seu plano tenha plano sido aprovado pelo presidente Rodrigues
Alves foi,logo a seguir, substituído por Alexandrino de Alencar, que,
em cerca de uma semana depois que assumiu a pasta, conseguiu o
seu cancelamento, e a aprovação de plano
diferente. O Plano de Alexandrino apressou a compra de navios e postergou a instalação do apoio
logístico. Embora tenha agilizado a construção do novo Arsenal de
Marinha da Ilha das Cobras, este só passou a funcionar muitos anos
depois, e sem a usina siderúrgica prevista por Julio de Noronha para o
Arsenal fora do Rio (Caminha, RMB 3Tri/1984 pg 34).
No período
de 1935-1937, primeiro em que Guilhem (VA Henrique Aristides Guilhem) foi
Ministro, sua grande preocupação foi reiniciar a construção de navios de
guerra no Brasil. Mas não foi só isso, pois que o Ministro criou
escolas, bases navais e outros elementos essenciais à prestação do apoio
logístico visando a proporcionar aos navios o rendimento esperado.
Depois da II
Grande Guerra - o Almirante de Esquadra Silvio de Noronha (1946-1951), manifestou seu
interesse pela organização do apoio logístico aos navios.
Na ocasião
em que Guillobel foi Ministro (1951-1954), criou a Diretoria de Intendência
(Memórias de Guillobel- A importância da logística - pg 260-1,
1955/1957), "destinada ao
trato da logística de consumo", e cujo Regulamento teve forte
assessoramento de Gastão Motta. A preponderância das atividades de
abastecimento foi de tal monta que deu origem, mais tarde, às "Normas
Gerais de Abastecimento", criadas por Portaria ministerial!
Ambos os
Ministros Sylvio de Noronha e Guillobel puseram grande ênfase
no estabelecimento da infra-estrutura de apoio aos meios navais, a qual
deveria cobrir todo o espectro das funções logísticas, e não somente a
manutenção e o reparo.
Como
Ministro, Sylvio de Noronha "sempre lamentou terem faltado recursos para
adquirir uma força moderna de navios para a Marinha brasileira. Por
seu esforço, foi apresentado ao Congresso o projeto de lei que criou um
'fundo de receita permanente' destinado à renovação do material
flutuante. Observava o Ministro que a 'aquisição ou construção de uma
esquadra demanda período de tempo relativamente curto, mas exige
vultosos créditos, enquanto a construção de bases para apoio às Forças
Navais demanda longo período de tempo, exigindo, porém, recursos
financeiros relativamente limitados, que podem ser distribuídos por
vários anos de trabalho.'"(RMB 3tri/1984 pg 115)
Tivesse a MB seguido essa orientação, talvez
tivessem sido elaboradas normas gerais sobre Manutenção, por Portaria
Ministerial. No entanto, foram geradas as "Instruções Gerais para a
Execução de Reparos, Manutenção e Alterações dos Navios e Aeronaves da
Marinha", a então bastante conhecida IGERA (EMA-114)(1975)(Conf) que tantos serviços nos prestou. Sua origem,
no entanto, foi o Estado Maior da Armada.
Mas é
somente a partir de 1977 (Vidigal), que a MB formalizou sua
concepção estratégica em consonância com a Política governamental, e que
procurou orientar o planejamento e o preparo das força naval, e do apoio
que ela necessita.
Muito poucas instruções
foram elaboradas sobre o
preparo do Poder naval, apenas umas poucas sobre a construção naval e
sobre a evolução do processo de obtenção de sistemas navais na Marinha(cf. Capetti, Ruy. Importância do Processo de Obtenção de Sistemas Navais de
Defesa na Marinha do Brasil in RMB. Rio de Janeiro, v.127, n 04/06).
Depois que o
planejamento e a direção geral passaram ao EMA, o assunto Logistica saiu
das considerações dos Ministros subsequentes, e passou-se a observar uma
estagnação no evolução dos conceitos da Logística. A transformação da
Logística não se deu num ritmo compatível com a evolução operativa da
Marinha.(cf. Caminha, Herick Marques. História Administrativa do Brasil;
organização e administração do Ministério da Marinha na República.
Coordenação de Vicente Tapajós. Brasília - Rio de Janeiro, Fundação
Centro de Formação do Servidor Público. Serviço de Documentação Geral da
Marinha, 1989 Vol 36. pgs410)[vai até 1985].
Uma das
razões talvez seja a que Caminha (Op. cit.) aventou - "a elaboração
inadequada dos relatórios anuais ministeriais ao Presidente da
República, e mesmo a ausência de vários exemplares." Por exemplo, não se
encontra a coleção dos relatórios de 1961 a 1968 na biblioteca do
Serviço de Documentação da Marinha, ao que parece porque não foram
elaborados. O fato é que os relatórios Ministeriais passaram a seguir
modelos padronizados pelo EMA, perdendo bastante em capacidade de
comunicação, pela falta de detalhamento.
Acentua-se o
trato da Logística na MB com ênfase no consumo, em razão da sua própria
evolução, como mencionado linhas atrás. A própria postura naval põe
pesada ênfase nas operações (aplicação do Poder Naval) o que justifica,
igualmente, polarização para o consumo.
Somente em
1977 pelo Decreto 79.552 de 19/04 (que aprovou novo regulamento para o
EMA, ainda "órgão
claramente de caráter híbrido, burocrático-administrativo e
militar-operativo"
é que foi criada a Subchefia de Logística e Mobilização (id.
Caminha pg 67).
No ensino, observa-se a mesma
polarização. A Escola de Guerra por anos a fio veio enfatizando a Logística
do Teatro, portanto voltada para a aplicação do Poder Naval, e quase
nada tratando do Preparo desse Poder (Cf. Capetti, Ruy. Artigo mencionado linhas
acima).
Muito embora o
trato da Logística na MB venha, no presente, ganhando
considerações segundo aspectos mais abrangentes
(uma mudança de postura muito lenta) , o fato é que, observando a realidade,
verifica-se que até
então inexiste um Sistema Logístico (SisLog) naval, que tenha como
propósitos básicos, desenvolver, difundir e fazer praticar, em todos os
níveis, a doutrina de logística, mantendo a sintonia com as exigências e
preparo da força.
A existência de um Sistema de
Apoio Logístico (subsistema do macro-Sistema Logístico) não é bastante,
pois este, por suas
próprias atribuições, não é suficiente para o trato de todos os aspectos
Logísticos navais, em particular aqueles que dizem respeito à
mobilização industrial, e à obtenção dos complexos sistemas navais de
defesa.
Se existisse o
macro-sistema Logístico naval, ele, além de ser compatível com a Doutrina
Logística do Ministério da Defesa, deveria visar, entre várias outras atividades:
(1) a obtenção
de sistemas de defesa navais modernos que permitam à Força Naval
cumprir com eficácia e eficientemente sua missão constitucional;
(2) a garantia
de recursos indispensáveis ao desenvolvimento e a implantação de suas
atividades, compatível com a realidade orçamentária;
(3) a
integração das atividades logísticas que se referem ao material e ao
pessoal, implantando e implementando um adequado Sistema de Material
(que contemple a integração de suas atividades componentes – qualidade,
catalogação, inventário, controle físico, contratos, técnica..), e um
eficiente Sistema de Pessoal (já criado, mas que carece de ter eliminando
o inconveniente
"setor de pessoal"), que busque incessantemente a capacitação do
pessoal, abrangendo funções de saúde e de ensino, inclusive
preparando-os para exercerem as funções logísticas e o gerenciamento da
logística (além, é claro das demais funções de natureza político-estratégica-tática), e
(4) o trato da
mobilização de pessoal, do pessoal civil, e de outros elementos,
e
(5) o trato da mobilização
industrial |
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O estabelecimento
desses sub-sistemas citados, de Material e Pessoal busca, acima de tudo:
(a) torná-los
eficientes instrumentos orgânicos de apoio à decisão;
(b) contribuir
para o macro-sistema na interação com os sistemas logísticos das demais
forças, desse modo colaborando para o bom desempenho das operações
combinadas;
(c)contribuir
para a interoperabilidade, nos casos identificados como necessários; e
(d) serem
capazes de prover apoio ás operações subsidiárias.
Por seu turno caberia ao macro-sistema Logístico, caso existisse, estabelecer os contatos
com a indústria nacional, em termos da logística de produção (obtenção
de sistemas complexos de defesa, desenvolvimento e produção de materiais
estratégicos para a força Naval, desenvolvimento, produção e fomento de
materiais para a Industria de defesa, tais como, sistemas, armamentos,
munições, explosivos, estabelecimento de um ambiente de compartilhamento
de dados, etc)
Observa-se, na atualidade, que a única publicação da MB que faz
referência à Logística, em caráter normativo é
o EMA 400 MANUAL DE LOGÍSTICA DA MARINHA (agora em sua revisão 2,
aprovada em 14 de fevereiro de 2003), e que tem como propósito, por
sinal bastante inadequado, como se
depreende da sua Introdução:
“apresentar os
conceitos básicos da Logística Militar, decorrentes da Doutrina de
Logística Militar DLM publicação MD 42-M-02, editada em 2002 pelo
Ministério da Defesa, aplicáveis à Marinha.”
Embora
pareça mais um texto didático, do que propriamente normativo, esse texto
mostra uma lenta evolução da Marinha, em termos de compreensão conceitual da
Logística, e contém várias apreciações que merecem revisões
profundas.
Tal publicação
mostra claramente uma quase estagnação da evolução dos conceitos logísticos e ,
acima de tudo, a tendência da MB em confundir Intendência com
Logística – um vicio arraigado que somente o estudo e compreensão da
logística poderá eliminar.
Um exemplo
flagrante do apego ao passado é a postura do
Estado Maior da Armada
para tratar o abastecimento (Nota 1) como super função logística,
contrariando a doutrina de Logística do Ministério da Defesa. A
tendência que se observa, uma vez mais, é para a abordagem visando, primordialmente, a aplicação
do Poder Naval (em detrimento do preparo do poder naval).
Embora não seja objeto desse texto comentar sobre publicações da MB, o
conteúdo da publicação citada (EMA 400) demonstra, à saciedade, o
equívoco da MB no trato da Logística.
Além de parecer pretensioso
(por exemplo, cria superfunção abastecimento; adota definição de
Logística diferente do que conceitua o Ministério da Defesa) não
considera
alguns elementos da logística que dão origem à funções logísticas – como
por exemplo, os recursos computacionais, o material
de apoio, etc;
confunde quando insiste que o Sistema Logístico da Marinha é o mesmo
que seu o Sistema de Apoio Logístico; polariza-se para aspectos da
Intendência a partir do capítulo 3, comportando-se mais como um manual de abastecimento do
que de logística.
Em sequência, ao tratar do APOIO LOGÍSTICO INTEGRADO
(talvez a principal, ou única, fonte para a composição do Sistema de
Apoio Logístico), não aborda a possibilidade de ser criado o Programa de
ALI na
MB, como a outra face da mesma moeda que comporta o Programa de Engenharia,
os quais, juntamente com os Programas de Aplicação de Recursos, Nuclear,
de Confiabilidade, Manutebilidade e Disponibilidade, entre outros,fazem
parte do macro Programa de Modernização e ou de Reaparelhamento da MB.
Em ocasião alguma trata do levantamento e registro de custos de todas as atividades da MB,
aspectos muito importantes para um Sistema Logístico (e
não só para um Sistema de Apoio Logístico).
Os aspectos acima citados
parecem ratificar o ponto de vista da polarização
da Logística na MB para os aspectos de aplicação
do Poder naval, enfatizando a abordagem de consumo quando trata
dos suprimentos, das finanças, da manutenção e da
obtenção de sistemas de defesa.(Nota 2)
OUTRAS OBSERVAÇÕES, ALGUMAS
CONCLUSIVAS
De tudo isso fica
patente a necessidade da existência de um Sistema Logístico (talvez SisLog),
destinado a preparar e aplicar o Poder Naval, e que abranja diversos
sub-sistemas, aqui referidos como sistemas, como o Sistema de Apoio
Logístico, o Sistema de Material, o Sistema de Pessoal, o Sistema
de Mobilização, o Sistema de Gerenciamento da Logística Naval, entre tantos outros.
De um modo geral
observamos a polarização da MB, ao longo dos anos, para as atividades
típicas da
aplicação
do Poder naval, o que lhe proporciona uma característica tão nossa conhecida
– a Marinha é essencialmente operativa, tanto que se criou o conceito de
“setor operativo”. Na realidade, os profissionais do mar são preparados
essencialmente para operar os sistemas de defesa, e o fazem com maestria.
O Sistema de Apoio Logístico (SisApLog) tem
grande repercussão nessas atividades, e todas suas atividades nascem da
aplicação do conceito de Apoio Logístico Integrado, uma metodologia de obter
apoio para um sistema de defesa, considerada desde o instante da sua
concepção, de modo a que nada seja esquecido.
Nessas atividades
preponderam as necessidades de suprimento e de distribuição, e portanto de
transporte e correlatas (acondicionamento, armazenagem, transporte) a que
era referida, na MB, ainda que inadequadamente, principalmente as duas
primeiras atividades, como superfunção logística abastecimento.
Isso explica, em
parte, as dificuldades com o trato dos demais elementos da logística, tais
como a manutenção, os dados (compartilhamento, data warehousing,
data mining,
LSAR), os testes (validação e comprovação), a qualidade, entre tantos
outros.
Esse SisApLog, em
tempo de paz (referido como Estrutura Normal) não tem a supervisão declarada
(ver artigo 0205 letra a da publicação EMA 400), enquanto que no âmbito da Estrutura Naval de
Guerra, no Escalão
administrativo “a supervisão do SisApLog da Marinha cabe ao EMA”
(Cf. lt b,
mesmo artigo item Escalão Administrativo, pg 2-7). Isso remete a
possibilidade de vir a Secretaria Geral de Marinha se constituir num
Estado Maior Logístico, liberando o Estado Maior da Armada do trato de
muitas questões de natureza logística.
Um outro aspecto
da Logística que chama a atenção é o Ensino na MB (Nota 3). Não se observa a
existência de cursos voltados para o preparo de oficiais com capacitação de
"logístico" (além de suas habilitações atuais), de modo a poderem
contribuir, mais intensamente, para as decisões relativas ao Preparo do
Poder Naval.
De fato,
observa-se no nível dos mais
elevados postos da carreira, até Capitão-de-Mar-e-Guerra (CMG), a
preferência dos cursos da atualidade voltados mais para aspectos da política
e estratégia navais, sendo praticamente abandonados os aspectos técnicos e,
consequentemente, a Logística.
Esta última, acima
de tudo, é relegada a um plano secundário na própria estrutura organizacional
da MB, pois
nem sequer um mero Departamento de Logística existe, na estrutura orgânica
naval, para coordenar o trato de atividades principais dos diversos sistemas, entre eles o Sistema de Apoio Logístico.
O que se observa, de fato, é que o
Sistema de Apoio Logístico, como
conjunto de organizações e meios de apoio logístico que, funcionando desde o
tempo de paz, deverá estar em condições de atender as necessidades da MB em
caso de guerra ou situação de emergência, carece de organização física.
Todos esses aspectos mencionados
transparecem um descompasso na compreen-são naval de que a Logística
tem que sofrer transformações, a fim de atender a Estratégia Nacional de
Defesa, em última instância.
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