PROGRAMA DE CDM
PARA UMA MARINHA DE QUALIDADE

Mar/2007   VAlte (Ref) Ruy Capetti

            Defendemos o ponto de vista de que o mais importante processo das FFAA é o processo de obtenção de meios de defesa.[1]

            Tal processo de obtenção decorre da análise das razões que fundamentam a sistemática de obtenção, algumas das quais óbvias, como a necessidade de aplicar criteriosamente os recursos dos contribuintes, maximizando as possibilidades de defesa; permitir o estudo dos projetos militares como um todo, evitando duplicidades de esforços e desperdícios de recursos; racionalizar as prioridades na aplicação dos escassos recursos alocados para obtenção de material de emprego militar; contribuir para  indústria de material de defesa, criando pontos fortes, entre eles a credibilidade, e outras razões mais sutis.  

            Na análise acima mencionada identificamos como objetivo primário das obtenções de material de emprego militar, notadamente os meios militares de defesa, a aquisição de produtos/serviços de qualidade, de modo a atender as necessidades dos utilizadores com capacitação para as missões cada vez melhor, e oportuno apoio operacional, a preços razoáveis.

            São elementos essenciais para garantir cada vez melhor capacitação para a missão e apoio logístico à altura, as características de CONFIABILIDADE, DISPONIBILIDADE  e MANUTENIBILIDADE (abreviamos como CDM).

            Este texto, embora com caráter superficial de apresentação do tema, tem foco nas características CDM, como resultado de um consistente processo de engenharia de sistemas que garanta concretizá-las em níveis satisfatórios, demonstrá-las durante os testes operacionais e avaliações e sustentá-las durante todo o ciclo de vida dos sistemas obtidos.           

O PROGRAMA DE CDM    

            Pensamos dar, a este artigo, o título de "Contribuição para um Programa de Garantia de Qualidade." No entanto, julgamos que poderia não despertar maior interesse, depois de muito batermos na mesma tecla - a da necessidade de existir ferramenta institucional que, formalmente, corporifique as atividades necessárias ao desempenho da função da qualidadeque seria no caso, no nosso entender, um Programa de Garantia de Qualidade.

            Escritos anteriores parecem não ter alcançado a receptividade desejada. Falha, talvez, do poder de convencimento de seus autores. Imaginamos, nós mesmos, que cada vez que se escreve sobre qualidade, alguns leitores devem pensar em pieguice, em articulista de uma nota , e outras coisas mais. Observamos, em certas ocasiões, que quando se toca no assunto Garantia da Qualidade (GQ) até mesmo com pessoal técnico, há os que julgam não ser esse um conceito que mereça prioridade de trato nas questões navais, e não ser fundamental para o correto exercício de todas as atividades marinheiras, por exemplo, a existência de um sistema formal de GQ na MB.

            Por essas razões, pensamos em criar outro título para o artigo. Algo envolvendo logística. Mais uma vez aflorou-nos a idéia do repúdio à leitura que isso poderia causar. As pessoas que conhecem logística não iriam lê-lo, por razão óbvia. Os que nada conhecem, igualmente, pois não teria apelo. Dos meios de divulgação que dispomos, em particular no ambiente naval, uns tem artigos muito mais importantes em fila de espera. Outros, com aversão à artigos técnicos, admitem temas sobre história, ou estórias mais leves, sem desafios à meditação em busca da melhoria contínua.

            Decidimos, finalmente, pelo título  - ARM PROGRAM PROGRAMA DE CDM[2], como armadilha para atrair alguns leitores distraídos. Mas, por uma questão de honestidade, devemos admitir, trata-se de tema sobre logística e sobre qualidade. E agora que admitimos, quem sabe se não seremos premiados pela paciência de quem chegou até aqui, levando esta leitura até o final?

            Apenas para lembrar (perdoem-nos, vem qualidade de novo) GQ é uma função executada em nível de direção que visa a assegurar que todas as medidas estão sendo tomadas para se ter qualidade como atributo inerente nos produtos/serviços. Por isso o programa de GQ deve ser o carro-chefe de qualquer instituição.

            Mas chega de falar sobre qualidade.    Voltemos ao PROGRAMA DE CDM. O que será?

            Antes de responder, faremos uma pequena digressão do nosso entendimento sobre o processo de obtenção de sistemas navais de defesa, associado ao "caso" Marinha do Brasil (MB). O ponto de partida será uma abstraçãoum ambiente militar (fictício) onde são desenvolvidos vários processos, entre os quais o processo de Obtenção de Sistemas Navais de Defesa (como poderia ser obtenção de qualquer sistema militar de defesa, referindo-se a qualquer uma das FFAA, quando então, na prática, cairia no âmbito das atribuições do Ministério da Defesa).

            No texto usaremos, em alguns momentos, a MB como "caso" de estudo, pela simples razão de conhecermos um pouco mais a sua estrutura e funcionamento do que as das demais FFAA. Pretendemos, assim, agregar mais valor à apresentação, de modo a poder hospedar o artigo, com mais propriedade, em uma revista que aceite assuntos técnicos navais.

            Na nossa abstraçãoMarinha de Guerra fictícia - entendemos como um dos mais importantes processos aquele de Obtenção de Sistemas Navais de Defesa (navios, veículos anfíbios, submarinos, sistemas de direção de tiro, aeronaves, veículos de controle remoto, sistemas de armas, sistemas de apoio à decisão, mísseis, para citar alguns, entre hardware e software).

            Como essa obtenção é assunto de natureza estratégica, em princípio, estamos falando de elevado nível de planejamento. É o caso da seleção dos meios de defesa, que acontece segundo uma sistemática desenvolvida por um corpo de Estado Maior. No "caso" real da MB, acreditamos tratar-se da Sistemática de Planejamento de Alto Nível (SPAN), praticada pelo Estado Maior da Armada, da qual decorrerá um (artigo indefinido, porque não conhecemos a existência desse plano na MB)  Plano de Reaparelhamento da Marinha (talvez o Plano Estratégico da Marinha (PEM) tenha sido ajustado para fazer esse papel).

            Como frutos do desenvolvimento dessa sistemática surgem várias indicações de funções navais de defesa, que são e que irão ser precisas para dar consistência ao poder naval desejado.

            Os passos seguintes (abstraindo-se da tramitação pelo Ministério da Defesa e consolidação com os demais planos de obtenção dos outros ramos de serviço, visando, principalmente, padronização e interoperabilidade) são (1) convencer a sociedade, por meio de seus representantes e criar-se um Programa Naval (no jargão civil), espelho de um Plano de Reaparelhamento da Marinha (jargão militar), como produto final a ser aprovado pelo Congresso Nacional, ajustado segundo as ameaças e horizontes temporais que o planejamento naval indicou, e (2) obter os recursos financeiros necessários a sua obtenção.

            Na proporção dos recursos autorizados, tem início, no âmbito setorial, o processo de obtenção de sistemas/equipamentos navais de defesa,  por exemplo: três submarinos, 6 fragatas, 1 navios aeródromo (ficção, apenas para servir de exemplo) através da inserção desses meios no Programa de Reaparelhamento da Marinha (agora sim, Programa). No "caso" em estudo este Programa, conhecido como PRM, constitui-se em meta prioritária, como declarado pelo atual Comandante da Marinha (OD 2/2007 de 1º/março, do CM).

            Nessa linha de raciocínio entendemos que um Programa Nuclear da Marinha deveria fazer parte de um Planejamento de Reaparelhamento, segundo uma de suas dualidades definidas – no "caso" em estudo, menos pela primeira, a de "contribuir para o progresso nacional pela sua capacidade de gerar energia e de desenvolver novos materiais",  mas principalmente pela segunda, a qual é referida com vistas à propulsão naval (idem).

            Na medida em que tais recursos forem suficientes para a realização total (ou parcial) do Programa Naval ano XXXX, o passo seguinte é a realimentação do aprovado ao planejamento de reaparelhamento setorial, agora visando a  transformação do funcional em real, transformação essa limitada, também, pelo estado da tecnologia disponível. Daí nascem, por meio de estudos de exeqüibilidade, no "caso" em estudo, os Planos de Obtenção de Meios, que conhecemos como POM, ou Planos de Obtenção Parciais, por ordem do Comandante da Marinha, os quais irão, finalmente, corporificar o PRM.

            Na realidade nacional o EMA tem sido, normalmente, a organização que lhesseguimento, pela continuidade da prática da sistemática do processo de obtenção. Na abstração, das várias alternativas funcionais de defesa que estavam em prateleiras, e por meio de estudos de exeqüibilidade, o corpo de Estado Maior seleciona os produtos a serem obtidos. Sejam,  por exemplo, submarinos. Mas ainda é preciso qualificá-los e quantificá-los.

            Firmam-se, em estágio seguinte, Requisitos Operacionais, em conformidade com as necessidades das forças combatentes, e o Conceito de Manutenção, que diz respeito ao modo como irão ser mantidos os tipos escolhidos. Tudo isso está ligado, ou é profundamente condicionado, ao sucesso da missão ou missões, levando em conta teatros de operações, a prontidão operacional, o custo total de posse,  a segurança dos sistemas, a quantidade de pessoal e de material logístico necessária num determinado teatro de operações (quantidade essa referida. Em literatura especializada, como "impressão digital logística"),  etc.

            Terminadas as considerações conceptuais, chega-se, então, na Síntese do produto de defesa a ser obtido, quando é fixada uma configuração de referência para os trabalhos seguintes.

            Qualificado o submarino (pela análise militar-econômica), é traçada a estratégia para obtê-lo (ou obtê-los, se definida a quantidade). Daí decorre um tipo de obtenção.

 

       

         Esses processos até então mencionados são altamente profissionais, e estão tratando de sistemas/equipamentos altamente complexos e extremamente dispendiosos. Requerem, pois, para sua prática, muitos conhecimentos, e bastante tarimba profisssional para conduzi-los. Não sendo coisa para amadores, requer, no "caso" em estudo, o domínio de mais disciplinas do que aquelas normalmente ministradas nos cursos atuais.

          Mas, voltemos à sistemática de obtenção, como a percebemos – desejamos obter produtos/serviços de qualidade, isto é, que atendam aos requisitos de prazos, com qualidade intrínseca, a custos aceitáveis, com segurança (para todos que com ele vão lidar e para o meio ambiente) e que orgulhem os que irão produzi-los. (Recaída na qualidade!)

           Garantir esses requisitos é função de um Programa permanente de Garantia de Qualidade, como citamos logo no início deste texto, e de subprogramas (não indica hierarquia, apenas vinculação, por isso doravante também referidos como programas) que os concretizem.

            Agora, então, vamos responder a pergunta – CDM, do que se trata?

     Agora, então, vamos responder a pergunta – CDM, do que se trata?

            Entre os vários programas acima mencionados[3] (Programa de Aplicação de Recursos, Programa Nuclear, Programa do ALI,  são alguns exemplos), sobressai o PROGRAMA DE CDM.

            CDM se refere às características de CONFIABILIDADE, DISPONIBILIDADE  e MANUTENIBILIDADE de um sistema e de seu apoio operacional

            O Programa de CDM é um conjunto de considerações e ações relativas à confiabilidade, disponibilidade e manutenibilidade, que tem por objetivo garantir a qualidade dos produtos/serviços de defesa, quando de sua obtenção pelo Ministério da Defesa (ou quem for delegado), no que diz respeito a obter produtos/serviços que satisfaçam as necessidades de seus usuários com cada vez melhor desempenho no cumprimento das missões e melhor desempenho no apoio logístico, de maneira oportuna, e a preços razoáveis e aceitáveis.

            A capacitação em CDM é alcançada por meio da colaboração de pessoal e organizações competentes, com missões e objetivos bem definidos, que contam com informações necessárias e com recursos apropriados, que usam ferramentas técnicas eficazes e atividades gerenciais da engenharia de sistema, e que desenvolvem a documentação necessária em cada estágio do produto, durante o desenrolar de todo o processo de obtenção.

            Identifica-se como quatro os estágios-chave para a construção de sistemas com elevados níveis de CDM os seguintes aspectos:

1. A compreensão e a documentação das necessidades do utilizador e as restrições aplicáveis.

2. O projeto e re-projeto com vistas à CDM

3. A produção de produtos confiáveis e passíveis de manutenção, e

4. O monitoramente do funcionamento do sistema e a sustentação do desempenho da CDM.

            Para melhor compreensão, cada característica CDM é, a seguir, definida:

            CONFIABILIDADE – é a probabilidade de um item de desempenhar uma função requerida sob condições declaradas por um período de tempo especificado. Divide-se em confiabilidade da missão e confiabilidade logística.

            DISPONIBILIDADE – é a medida do grau em que o estado operacional de um item se encontra no início de uma missão, quando esta for solicitada num determinado instante aleatório.

            MANUTENIBILIDADE – é a capacidade de um item (sistema/equipamentoser retido ou restaurado em/a determinada condição específica quando é realizada a manutenção por pessoal com nível de habilitação apropriado, usando procedimentos e recursos adequados em cada escalão de manutenção e reparo

 

CONCLUSÕES

            O PROGRAMA DE CDM é muito importante  porque desejamos, e acima de tudo devemos, obter meios de defesa com qualidade e a preços aceitáveis, oportunamente. O primeiro parâmetro (ou característica, antes de quantificá-lo) importante é a DISPONIBILIDADE, conforme acima definida.

            Ora, esse parâmetro de obtenção (que fará parte dos Requisitos Operacionais, ou de EM), depende da quantificação de características tais como a CONFIABILIDADE, também definida parágrafos atrás, bem como da MANUTENIBILIDADE

            Quer dizer, se não houver um PROGRAMA  vigilante sobre esses requisitos, como iremos garantir a qualidade daquilo que está sendo obtido?

            Voltando ao nosso "caso" de estudo, o que garante a qualidade do SICONTA (a técnica, ainda podemos observar, mas a de manutenção e de apoio logístico)?; o que garante a qualidade dos produtos/serviços do CASNAV? O que irá garantir a qualidade dos navios, tanto os que concebermos como os que construírmos? A resposta parece óbvia.

            O PROGRAMA DE CDM é muito importante, também, no período de utilização dos meios de defesa, pelo acompanhamento que faz da DISPONIBILIDADE, indicando sua deterioração, bem como a identificação de várias ações corretivas visando ao seu aprimoramento.

            Entendemos, finalmente, que implantar os programas de Garantia de Qualidade e de CDM na MB, o nosso "caso" de estudo, contribuiria extraordinariamente para a credibilidade da instituição perante o público nacional e internacional, constituindo-se em fator de força na indústria de material bélico nacional.

 

 


 

[1] Meios de defesa são aqui considerados:

SISTEMAS PRINCIPAIS (e para cada um os chamados ELEMENTOS COMUNS tais como: esforços de integração, montagem, testes,e verificações; a engenharia de sistemas e a gerência de programas; o treinamento; os dados; os testes dos sistemas e avaliações; os equipamentos de apoio especiais e comuns; o comissionamento operacional e local; as instalações industriais pertinentes; e as dotações iniciais de sobressalentes e peças  de reparo):

A. SISTEMAS DE AERONAVES - que englobam asa fixa ou asa móvel, asa rotativa ou combinações;

veículos aéreos tripulados ou de controle remoto cuja finalidade sejam vôos guiados com propulsão ou sem

propulsão.

B. SISTEMAS DE SOFTWARE  PARA EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS/AUTOMATIZAÇÃO que abrangem os software que provêem capacitação a dispositivos eletrônicos, a automatização ou o funcionamento de sistemas deles dependentes.

C. SISTEMAS DE MÍSSEIS - abrangendo armas em seus ambientes operacionais, produzindo efeitos

destrutivos em alvos selecionados

D. SISTEMAS DE ARMAMENTO - incluem todo tipo de munição (nuclear, biológico, químico,

psicológico ou pirotécnicos) e seus meios e lançamento.

E. SISTEMAS DE NAVIOS - abrangendo todos os tipos de navios de guerra ou aqueles que desempenhem

outras tarefas navais no mar

F. SISTEMAS ESPACIAIS - dizendo respeito aos sistemas que proporcionam o desenvolvimento, o

lançamento e a manutenção de missões de colocação de cargas em órbitas específicas; e a operação

recuperação de sistemas espaciais tripulados ou não.

G. SISTEMAS DE VEÍCULOS DE SUPERFÍCIE - abrangendo todos os veículos de navegação na superfície

[2] ARM PROGRAM – refere-se ao programa de AVAILABILITY, RELIABILITY e MAINTENABILITY

[3] Cabe uma nota sobre o nível de execução desses diferentes programas - se estivéssemos falando genericamente de defesa, seria o Ministério da Defesa. Não como executor, mas como "garantidor" de que eles existam em nível de cada uma das FFAA, sendo cada uma responsável por implementá-lo no seu âmbito, e segundo suas características próprias (atendendo as suas peculiaridades).

Como infelizmente não é assim, no nosso "caso" em estudo, o órgão "garantidor" seria o Estado Maior da Armada, ficando a execução descentralizada por todos os atores setoriais envolvidos no processo de obtenção. Desse modo, após determinação do Comandante da Marinha, o EMA como Gerente Funcional de cada programa, dá início à coordenação das ações ou atividades peculiares de cada um. No caso da obtenção de sistemas navais de defesa, a execução começaria, como de fato tem começado, pela Diretoria Geral do Material, onde seria instalado o PROGRAMA DE CDM.)